sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

As Cidades Invisíveis

 
 

I
 
            Nada garante que Kublai kan acredite em tudo o que diz Marco Polo ao descrever-lhe as cidades que visitou nas suas missões, mas a verdade é que o imperador dos tártaros continua a ouvir o jovem veneziano com maior atenção e curiosidade que a qualquer outro enviado seu ou explorador. Na vida dos imperadores há um momento, que se ergue ao orgulho pela vastidão ilimitada dos territórios que conquistámos, á melancolia e ao alívio de sabermos que em breve renunciaremos a conhecê-los e a compreendê-los; um sentimento como que de vazio que nos assola uma noite como o cheiro dos elefantes depois de chover e da cinza de sândalo que arrefece nas braseiras; uma vertigem que faz tremer os rios e as montanhas historiados em fila na exuberante garupa dos planisférios, que enrola uns nos outros os despachos que nos anunciam a derrocada dos últimos exércitos inimigos de derrota em derrota, e tira o lacre dos selos de reis de que nunca se ouviu falar e que imploram a protecção das nossas armadas que avançam em troca de tributos anuais em metais preciosos, peles curtidas e cascas de tartaruga: é o momento desesperado em que se descobre que este império que nos parecera a soma de todas as maravilhas é uma ruína sem pés nem cabeça, que a sua corrupção está demasiado gangrenada para que baste o nosso ceptro para a remediar, que o triunfo sobre os soberanos adversários nos fez herdeiros da sua longa ruína. Só nos relatos de Marco Polo, Kublai Kan conseguia discernir, através das muralhas e das torres destinadas a ruir, a filigrana de um desenho tão fino que escapasse ao roer das térmitas.

Título do original: Le città invisibile
Autor: Italo Calvino
Tradução de José Colaço Barreiros
(Distribuição de forma conjunta e inseparável com uma publicação do Grupo COFINA)
BIBLIOTECA SÁBADO

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