sábado, 3 de novembro de 2012

O Aleph


… Não se dirá melhor o que ali se disse. Além do mais (e talvez isto seja o essencial das minhas reflexões), o tempo, que despoja as fortalezas, enriquece os versos. O de Zuhair, quando este o compôs na Arábia, serviu para confrontar duas imagens, a do velho camelo e a do destino; repetido agora, serve para recordar Zuhair e para confundir os nossos pesares com os daquele árabe morto. Dois termos tinha a imagem e hoje tem quatro. O tempo amplia o âmbito dos versos e sei de alguns que, como a música, são tudo para todos os homens. Assim, atormentado há anos em Marrakesh com saudades de Córdova, comprazia-me em repetir a apóstrofe que Abdurrahman dirigiu, nos jardins de Ruzafa, a uma palmeira:

 
                   Tu também és, ó palmeira!,
                   Estrangeira neste solo…

 
        Singular benefício da poesia: palavras escritas por um rei que desejava o Oriente serviram-me a mim, desterrado na África, para a minha nostalgia de Espanha.
          …
Excerto de “A BUSCA DE AVERRÓIS”
 
 
 
Editorial Estampa - Ficções, n.º7
 

2 comentários:

  1. Incrível ter aceite um cargo de direcção de uma Biblioteca na condição de cego. O próprio Beethoven também compôs obras que já não podia ouvir. Ele há com cada paradoxo...
    Aquele abraço

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  2. O Jorge Luis Borges foi essencialmente um contista. Um simples conto dele pode conter muito mais informação que muitos livros de 450 páginas que serão editados neste Natal, como é costume. O paradoxo era a praia dele!
    Aqule Abraço.

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