segunda-feira, 21 de maio de 2012

Camilo e o Amor

Artigo da revista ABC, n.º 48 – Lisboa, 16 de Fevereiro de 1922

Legenda da fotografia – Visconde de S. Miguel de Seide, filho de Camilo.

Transcrições

(Texto principal)

Ana Placido, atormentada pela dôr de tanto amar, corridos os anos sôbre a tortura da existência em comum com o genio do romance, perdido o encanto que a contrariedade do mundo dava à sua paixão, entregara-se toda a êsse amôr de mãe por dois filhos que a natureza se comprazia em tocar com a degenerescência do pai, talento máximo, progenitor de taras e de extravagancias.
Ela ia vivendo a sua existência, triste, desolada, vendo tudo a ruir à sua volta: o marido pobre e cego, um filho louco, pintarulando nos livros do pai os seus bonecos, ardendo em fúrias, o outro doente, sem vigor, fazendo-a sofrer imenso e exclamar:
            - «Já agora nada mais falta ao meu triste coração!»
            Morreu-lhe uma netinha, a filhinha dêsse Nuno, que era 2.º visconde de S. Miguel que, como se êle fosse uma creança, acalentava de longe, da casa de Barjona de Freitas, em Benfica, onde Camilo esperava ainda curar-se da cegueira.
            E ia, a pobre mãe, soluçando as suas saudades, mais dos filhos que do passado de amor, ao lado do irritado, infeliz e desvairado genio que à sua existência tão romanticamente outr’ora se ligara.


(Caixa de texto)

            Meu filho.
            Fiquei com cuidado em ti. Dis-me se estás melhor e se as feridas tem secado. A vida cada vez é mais triste. Se ao menos tivesses saudade! Vejo-me condemnada a tremer sempre de que a morte me não leve a tempo p.ª te sobreviver. Já agora nada mais falta ao meu triste coração!
            Envio-te uma poesia dedicada ao papá pela morte do nosso anjo! Copiei-a com lágrimas.
            A saudade! a saudade!
            Adeus filho; o papá também está com cuidado em ti. Fallamos sempre a teu respeito.
            Um abraço da tua mãe

A.    Placido.

(Manuscrito)

            A minha neta

            Parecia dormitar tinha morrido
            Pedi que a não levassem no caixão,
            Que a deixassem mirrar e desfazer-se
            Como a flor se desfaz sem podridão

            Teimaram em levarm-a, e eu cingi-a
            A peito que se abriu pela pressão,
            Depois, pude escondel-la, e tenho-a
            No meu despedaçado coração.

                        S. Miguel de Seide

(No fundo da página)

            Carta de Ana Placido para seu filho Nuno, Visconde de S. Miguel
           







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