terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Por Inglaterra

Continuo a trazer palavras, muitas palavras do tempo da segunda grande guerra, para que entendamos melhor as que agora se dizem.
Portugal, posicionado neutralmente no conflito, foi campo aberto à expressão de ambas as partes.

Por Inglaterra:

INGLATERRA
Joaquim Ferreira
8 Páginas
Separata do «Jornal de Santo Thyrso»
Ano 1942 (?)
Centro tip. Colonial - Lisboa


O drama atinge a culminância. Nunca o mundo se trespassou de tão patéticas angústias, nem mais torvas ameaças à cultura europeia rondaram sôbre as almas aflitas.
Esta guerra implica uma significação que poucos medem em seu completo alcance. Não é como as outras guerras: um acto de rapina, a bêsta do Apocalipse desenfreada através das gentes, o espírito do Mal a soprar labaredas das furnas infernais. As outras guerras foram apenas isso; mas esta vai mais longe nos seus propósitos de malvadez: - Será possível o convívio pacífico das nações num pé de igualdade jurídica? Será possível a pessoa humana gozar os seus direitos naturais? Será possível a paz da consciência na ideia de Deus? Ou teremos de substituir as concepções do Cristianismo, baseadas no respeito e no amor aos nossos semelhantes, pelo ódio racial, pelo furor da conquista, pela avidez felina na exploração dos povos oprimidos?
Há dois exércitos em luta, cada qual com a sua bandeira. Qual vencerá? Ignoramo-lo. Todavia, desde já a minha inteligência escolheu entre os dois gigantes que se esfacelam, numa raiva implacável, titânica.
Desde Afonso Henriques vemos a Inglaterra a pugnar connosco. Na tomada de Lisboa, em 1147, lutámos os dois juntos – ingleses e portugueses. O fundador da nacionalidade queria Lisboa, empório comercial de enorme estatura na Europa do séc. XII – mais de cem mil habitantes. Como conquistar aos mouros o imenso burgo, se tão reduzidos eram as suas hostes? Afonso Henriques solicitou ajuda aos cruzados, que aportaram aqui de caminho para a Palestina. Fez-se o assédio, e a cidade agarena caiu em poder dos sitiantes. Os ingleses foram dos mais activos no cerco. Iam também na vanguarda dos que transpuseram as muralhas. E tão grato lhes ficou Afonso Henriques, que o primeiro bispo cristão de Lisboa foi um inglês – Gilberto Hastings.
Decorreu o tempo. O mais sábio dos monarcas afonsinos – D. Diniz – manteve correspondência diplomática frequente com os diplomatas da Inglaterra. As comunicações de comércio eram assíduas. Os nossos navios visitavam os portos britânicos com plena segurança numa época em que a não havia. Os reis Eduardo I e o filho Eduardo II contrataram com D. Diniz auxílio mútuo. Já então a Grã-Bretanha nos distinguia com as preferências do seu poderio marítimo.
Em 20 de Outubro de 1353 o rei Eduardo III contraiu com o rei D. Afonso IV uma aliança, que duraria cinquenta anos: a Inglaterra jurava não associar-se a qualquer inimigo de Portugal, garantindo aos navegadores lusitanos nas suas águas e nos seus portos tratamento igual ao dos próprios ingleses.
Surgiram as desgraçadas questões do rei D. Fernando com Henrique de Trastámara, rei de Castela. O monarca português não primava pela firmeza de carácter nem de coragem. Mas praticou alguns dos actos de profunda sensatez politica. Assim, aproveitando-se das amistosas e leais relações de Inglaterra com Portugal, enviou ali o conde Andeiro (mais tarde assassinado pelo Mestre de Aviz), a solicitar o concurso das suas tropas contra o rei castelhano. Celebrou-se um tratado em 13 de Outubro de 1373. em consequência, os soldados ingleses sob as ordens do conde de Cambridge acorreram a bater-se em nossa defesa com as hordas de Castela.
Morreu D. Fernando. Desencadearam-se sobre Portugal os tormentos da guerra, nos quais íamos perdendo a liberdade política. O rei de Castela não desistia de absorver Portugal. D. Fernando, talvez pela nefasta influência da rainha D. Leonor Teles, consorciou a filha única D. Beatriz com D. João I de Castela, estipulando cláusulas nupciais que alienavam praticamente o país ao estrangeiro. Aberta a sucessão ao trono, exigiu D. João I de Castela a entrega de Portugal, conforme o estatuído no contrato de casamento. O Mestre de Aviz e o povo, animados pelo excelso heroísmo de Nun’Alvares, opuseram tenaz resistência ao invasor.
Não poderia o Mestre de Aviz olvidar a Inglaterra nestas pugnas de morte. Partiram para a nação exemplarmente amiga alguns embaixadores. Era então Ricardo II o rei britânico. Logo ele anuiu às suplicas do Mestre de Aviz, e embarcaram para aqui numerosos soldados de infantaria – a melhor do mundo! Não houve na Idade-Média mais valentes archeiros do que eram os ingleses. Eles bateram-se como leões na batalha de Aljubarrota, lado a lado com Nun’Alvares, nessa rude batalha que vinculou definitivamente a independência de Portugal. A Inglaterra colaborara na conquista de Lisboa, e assegurava agora a vida nacional.
O rei D. João I conhecia de perto os ingleses. À sua subtil razão de estadista não poderiam escapar as sumas vantagens de firmar aliança defensiva com tão enérgico e progressivo país. Depois de várias diligências, Ricardo II de Inglaterra e D. João I de Portugal assinaram um pacto perpétuo de amizade e ajuda recíproca. Foi em Windsor, no dia 9 de Maio de 1386. este pacto dura ainda. Devemos manter viva a lembrança de Lourenço Fogaça, chanceler do rei D. João I, porque foi ele o seu principal negociador.
Dispõe a cláusula I: «Haverá entre os mesmos Reis e seus herdeiros e sucessores, e vassalos de ambos, uma liga, amizade e confederação geral e perpétua… de maneira que um será obrigado a prestar auxílio e socorro ao outro contra todos os que tentarem destruir o Estado do outro». Dispõe a cláusula III: «Por nenhum modo nem em caso algum será permitido aos ditos Reis, e a nenhum dos seus vassalos de qualquer estado ou condição… conselhos, socorro ou auxílio nas suas terras e domínios à Nação que tiver sido inimigo da outra».
D. João I foi mais longe na sua aliança com a Grã-Bretanha: casou-se com a filha do Duque de Lencastre. Quanto deve Portugal a esta ilustre senhora – D. Filipa de Lencastre! O sangue inglês nas veias do rei D. Duarte, do infante D. Henrique, do regente D. Pedro… O rei filósofo, o infante descobridor, o regente letrado, - a «ínclita geração de altos infantes» gabada nos Lusíadas, a ais insigne geração de príncipes que floriu no mundo hispânico, - foi da Inglaterra que nos veio no sangue castiço de D. Filipa de Lencastre. Teríamos tido o infante D. Henrique com os seus anseios de aventuras náuticas sem a ancestralidade inglesa? A educação, a índole, a alma dos filhos de D. João I – que prepararam e tornaram possíveis as nossas empresas marítimas – é obra duma aristocrata que veio das ilhas inglesas insuflar um espírito novo nos príncipes da Lusitânia.
 A epopeia dos descobrimentos culminou na viagem de Gama a Calecute e de Cabral ao Brasil, nas façanhas de Afonso de Albuquerque, nos tesouros incomensuráveis da Casa da Índia. Éramos grandes. Éramos temidos. Nos mares do Oriente não circulavam navios sem o salvo-conduto dos nossos almirantes. Contudo, o rei D. Manuel não se afastou da tradição monárquica estabelecida pelos seus avoengos: confirmou o tratado de Windsor em novo acordo com Henrique VIII, em 12 de Maio de 1499.
D. Manuel herdava de D. João II um ceptro riquíssimo e feliz. Isso não impediu o inteligente soberano de revigorar com a sua assinatura um pacto já velho mas ainda e sempre útil.
Eis-nos em plena Reforma. Da Alemanha sopravam rajadas de revolta. A Europa estremecia nas insânias do crime… É que Lutero rebelara-se contra a Igreja, e das suas prédicas nasceram escombros, borbulhou o sangue, espraiou-se no Ocidente a cólera homicida. Portugal permaneceu fiel ao catolicismo. A Inglaterra aderiu à seita luterana. Porém, a aliança entre os dois países não esfriou. Tão lúcida era a visão política dos antigos reis!
Alcácer-Kibir… o de-profundis de 1850, causado pela megalomania cavalheiresca de D. Sebastião. O rei de Espanha ia cevar a aspiração dos seus ancestros – aspiração que dormitava nos escaninhos de todos os governantes espanhóis – de se apoderar de Portugal. Vários pretendentes disputavam o trono vago pela morte do cardial-infante D. Henrique. Pois bem! A rainha Isabel de Inglaterra colocou-se resolutamente em nossa defesa contra o temível poder de Espanha, então no auge do seu domínio. Apoiou primeiro a duqueza de Bragança – D. Catarina; apoiou depois o Prior do Crato, em cujo auxílio armou uma esquadra capitaniada pelo mais famoso dos seus almirantes – Drake. O Prior do Crato perdeu a partida. Após a derrota de Alcântara, tentou a expedição aos Açores; e, já nos extremos da penúria, acolheu-se a Londres, sob a protecção quási carinhosa da genial rainha inglesa.
A Espanha roubara-nos a independência. Esta ignomínia só acabou em 1640. os factos são bem conhecidos de todos. Portugal levantou-se em armas para expulsar o déspota espanhol, um dos mais potentes no século XVII. A quem pedir arrimo nesta grave crise? D. João IV era astuto, os seus conselheiros tinham argúcia: dirigiu-se o monarca restaurador à Inglaterra. D. João IV e Carlos I (o Stuart) celebraram um tratado que não só confirmava mas completava o feito em Windsor em 1383. E Cromwell revalidou-o logo a seguir
Transportaram-se para aqui soldados das ilhas britânicas, que por nós combateram as tropas espanholas; os seus magníficos navios agiram nos mares a nosso favor. E a paz com Espanha fez-se pela pressão da Inglaterra em Madrid, intervindo nas negociações e assinando por nós o Conde de Sandwich, embaixador inglês.
Na primeira crise da independência nacional, deu a Inglaterra a sua força ao Mestre de aviz; nesta segunda crise, negoceou connosco, o seu rei escolheu noiva entre nós, e os seus diplomatas quási impuseram ao nosso ferino adversário paz.
Terceira Crise: Napoleão. Passou como arcanjo de Belona este génio sinistro. Os seus arrojos de Hércules semearam a ruína, as lágrimas, desespero, a destruição e a morte. Ele foi o maior general que os séculos já viram, a mais estupenda capacidade bélica de que fala a história.
Napoleão é senhor absoluto da Europa. Os reis temem-no; a sua espada fere mortalmente os povos que lhe resistem; os exércitos franceses derrotam os italianos, os austríacos, os russos, os alemãis… Carlos IV de Espanha, acirrado pelo seu favorito Godoy, combina com o imperador Bonaparte a invasão de Portugal; e 55000 soldados espanhóis entram por Badajoz. Incapazes de nos defendermos, a paz foi-nos imposta por Godoy conluiado com Bonaparte: deveríamos fechar os nossos portos à Inglaterra. Foi isto em 1801.
A Inglaterra não costuma flectir-se nos piores desastres. A sua vontade não conhece o terror nem o desânimo. Pitt governa. Pitt simboliza neste momento todas as virtudes características da sua bela raça: a pertinácia, a visão certeira, o instinto administrativo, o querer vitorioso. A luta com Napoleão prossegue inexorável; e Nelson destroça a esquadra napoleónica em Trafalgar…  D. João VI recusa cumprir a promessa arrancada pela violência: cerrar os nossos portos às naves inglesas. Napoleão ameaça-nos. As suas tropas desbaratam todos os inimigos, e acabam por entrar triunfalmente em Berlim. Mas D. João IV desobedece ao vencedor da Europa, que em 21 de Novembro de 1806 decretara o bloqueio de Inglaterra, permitindo que os britânicos se sirvam livremente dos nossos portos. Napoleão manda-nos invadir, por um dos seus mais hábeis capitãis – Junot. O rei de Portugal, para evitar a humilhação de ser feito prisioneiro, foge com toda a corte para o Brasil, escoltados os navios que o conduziam por navios de guerra ingleses. É a batalha definitiva entre a Inglaterra e o seu implacável adversário – Napoleão – a que se inicia em nosso território. Artur Wellesley trouxe das ilhas britânicas um exército  de 14000 soldados. Portugueses e ingleses batem-se ombro a ombro contra o invasor, como já acontecera em Aljubarrota e na Restauração. Os invencíveis marechais de Napoleão recuam através da Península. E Wellington leva-os batidos até Toulouse (1814). Era a vitória de Inglaterra, a vitória que a sua tenacidade inquebrantável acaba sempre por arrancar às piores catástrofes.
Estamos em 1898. Guilherme II da Alemanha, insaciável, exige territórios no Ultramar. É a Portugal que pretende agora extorqui-los. Propõe a Lord Salisbury um empréstimo anglo-germânico sob hipoteca de Angola e Moçambique; e perante a negativa categórica do nosso país, procura convencer os estadistas de Londres a juntarem-se a juntarem-se a Inglaterra e a Alemanha numa demonstração naval no Tejo…Valeu-nos a viva amizade do rei D. Carlos com o Príncipe de Gales, o futuro Eduardo VII. A Inglaterra, para expressar de modo inequívoco a sua lealdade connosco, firma o acordo de 14 de Outubro de 1899, que restaura na sua integra o tratado de Windsor e os posteriores.
A desolada decepção de Berlim… «Era uma garantia para Portugal e sobretudo um incitamento para este país não onerar as suas colónias» - escreveu o chanceler alemão Príncipe de Bulow. Outra vez a aliança com a Inglaterra nos serviria de escudo contra as arremetidas dos vampiros.
O Sr. Dr. Oliveira Salazar, além doutras coisas boas, tem sabido manter intacto este inestimável património da história nacional… Os vindouros lhe agradecerão a benemerência política de enfileirar com os reis D. Fernando, D, João I, D. João II, D. Manuel I, D. João III, D. João IV, D. Pedro II, D. João VI, D. Carlos e D. Manuel II, que mais eficientemente estreitaram com os nossos aliados ingleses os laços que o tempo não quebrou.
Há quatrocentos anos que disfruta a Inglaterra uma situação de incomparável prestígio no mundo. Deve-se ao seu génio administrativo. Outros impérios se formaram depois e se desmoronaram em esquírolas, enquanto a Inglaterra continua impertèrritamente a sua obra colonizadora. A Austrália, o Canadá, a Nova Zelândia, a África do Sul, a Índia, em todas as latitudes e em ambos os hemisférios o pavilhão inglês ondula soberano sobre milhões de quilómetros quadrados, vivendo e prosperando à sua gloriosa sombra povos de todas as raças com os costumes mais diversos e as religiões mais opostas. Nenhuma nação apresenta melhores serviços à difusão da cultura europeia!
A derrota de Inglaterra seria um golpe mortal na civilização do Ocidente.
De coração trémulo, aterrado, eu rezo humildemente a prece que todos os patriotas deveriam rezar:
- Deus salve a Inglaterra!

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